O rottweiler virou poodle
Guilherme Boulos
Nem sequer Michel Temer foi efetivado como presidente da
República, mas sua interinidade já foi o suficiente para ocasionar curiosas
metamorfoses no comportamento de muita gente, até mesmo no reino animal.
Reinaldo
Azevedo, guru da direita delirante, tornou-se conhecido por ataques
raivosos, cheios de ranço e impropérios, contra o governo petista. Isso lhe
rendeu o apelido de "rottweiler". Pouco rigoroso, é verdade, já que
dos rottweilers Reinaldo possui apenas a raiva, deixando de lado a força e
coragem.
Agora, três meses passados do afastamento de Dilma Rousseff,
nem a raiva ficou. É difícil encontrar em seus textos uma só crítica ao governo
do interino. A agressividade de outrora deu lugar à bajulação. Temer domesticou
o "rottweiller".
Logo no primeiro dia, Reinaldo derreteu-se ante o
fraquíssimo discurso inicial do vice, qualificando-o de "impecável na
forma e no conteúdo" e dizendo sentir-se, depois de muito tempo, perante
uma autoridade que inspirava respeito por encarnar os "bons valores da
institucionalidade". Comovente. Chegou a encantar-se até mesmo com as
mesóclises.
A vergonha alheia seguiu seu rumo. Veio o primeiro escândalo
do governo interino Michel Temer, com as gravações
de Sérgio Machado. Nelas, o então ministro Romero Jucá relaciona sem
rodeios o impeachment a
um pacto
para barrar a Lava Jato. O mesmo Machado, pouco depois, confessou em
delação ter repassado R$ 10 milhões em caixa dois para o PMDB a pedido do
próprio Michel Temer.
Foi aí que o "rottweiller" perdeu de uma só vez os
dentes e a vergonha. Contemporizou. Ele disse que não havia nada de relevante
na fala de Jucá. Tentando manter algum resquício de dignidade, defendeu que
Temer o demitisse por razões "políticas", não "legais".
Já em relação aos R$ 10 milhões foi além, alegando que não
há nenhuma referência à origem ilícita do dinheiro e que "não há como
acusar o presidente de coisa nenhuma". Claro, Madre Temer de Calcutá se
encontrou com um diretor de estatal e conhecido operador de propinas, num
galpão de aeroporto, para tratar de doações legais e outros assuntos
republicanos. Triste de se ver.
Mas a conversão de Reinaldo Azevedo é retrato de uma
hipocrisia maior. A cobertura de boa parte da imprensa tornou-se subitamente
mais "compreensiva", restituindo na opinião pública o que Celso Rocha
de Barros, colunista da Folha, definiu como o benefício
da dúvida em favor de Michel Temer.
As panelas também reencontraram seu lugar no armário.
Silenciosas nos sucessivos escândalos que derrubaram três ministros.
Silenciosas também nas manobras gritantes de Eduardo Cunha para evitar a
cassação e a prisão, até aqui vitoriosas. Elas não são mais necessárias. Nem os
paneleiros. Nem as marchas cívicas na avenida Paulista. Não por acaso seus
verdadeiros artífices abandonaram-nas à própria sorte, resultando no fiasco do
último dia 31, a despeito de alguns garotos que acreditaram estar fazendo
história.
Reinaldo Azevedo é retrato desta indigência moral. Mas
também pode, ironicamente, tornar-se sua vítima. Se confirmado o afastamento de
Dilma, seu ofício perde o sentido. Seu nicho de mercado diminuirá na mesma
proporção que sua função social. Tende a tornar-se tão descartável quanto
Cunha, os meninos do MBL (Movimento Brasil Livre) e as panelas.
Como sinal dos tempos, o semanário que o emprega já botou na
rua dois da mesma turma, Rodrigo Constantino e Marco Antônio Villa. No
desespero, é de se esperar que Reinaldo procure novos alvos e carregue no tom
de baixaria sensacionalista, mas apenas para esconder a bajulação servil. O
"rottweiler" virou poodle.
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